terça-feira, 21 de agosto de 2012

Cerrado

O chão estava todo amarelo,
minúsculas flores de ipê pelo  caminho, agora é agosto.
A última vez que vi tudo isso,  fazia muito mais tempo que podia me lembrar.
Guardo na pele a memorial sensorial dessas cores invernais.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Minas é assim dentro da gente

 

Viver é um descuido prosseguido.
Sigo à risca.
Me descuido e vou…
Quebro a cara.
Quebro o coração.
Tropeço em mim.
Me atolo nos cinco sentidos.
Viver não é perigoso?
Então, com sua licença!
Não tenho medo.
Nasci assim.
Descuidado.
Encantado pela vida.
'O sertão é dentro da gente'.
Ah, como não?
Aqui tudo é perdido.
Tudo é achado.
Somos ferro e fogo.
Perigo nunca falta!
Sertão é igual coração.
Se quiser, que venha armado!
Tudo é igual.
Aqui se vive.
Aqui se morre.
Dentro e fora da gente.
Confusão demais em grande demasiado sossego.

João Guimarães Rosa

terça-feira, 7 de agosto de 2012

É só uma canção, mas podia ser um tratado de casamento!!!

 

 

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim


O Quereres – Caetano Veloso

sábado, 4 de agosto de 2012

Caravana

 

 

Corra não pare, não pense demais
Repare essas velas no cais
Que a vida é cigana
É caravana
É pedra de gelo ao sol
Degelou teus olhos tão sós
Num mar de água clara

Geraldo Azevedo